Foi pro quarto, acendeu a luz, ligou o ventilador. A noite tinha sido abafada. Estava quente apesar de ser inverno. Não havia vento lá fora, todas as janelas estavam abertas, podia sentir. Ou não sentir. Durante a tarde, o tempo permaneceu cinza. Ainda era muito cedo pra saber se seria um dia feio de sol ou um dia lindo de chuva. Jogou os restos da tangerina no lixo, sentou na cama, acendeu um cigarro. Ah, companheiro. Aproveitou o momento da primeira tragada olhando pro maço azul. Alcançou o celular e olhou a hora. Cedo.
Buscou o caderno, segurou a caneta e escreveu:
Amanheceu mais um dia.
Largou a caneta. Não adianta, não vai dar. Segurou a caneta e escreveu:
A insônia me corrói.
Largou a caneta. Foi à cozinha, abriu a geladeira. Agachou, abriu a gaveta de verduras. A velha maçã sorriu. Pegou o limão, o gelo. No armário do lado esquerdo da pia, a vodca. Em um copo baixo, espremeu o limão. Adorava o barulho que fazia o choque entre a vodca e o gelo. Bebeu dois grandes goles. Tonteou. Respirou. Três grandes goles. Respirou. Pôs mais gelo, encheu o copo até a boca, foi pro quarto. Acendeu um cigarro, segurou a caneta.
Levantou, ligou o aparelho de som com o cd que tinha dentro. Que bom, era isso que eu queria ouvir. Escreveu: O álcool me corrói. Não. Riscou. Escreveu: Amanheceu mais uma insônia. Riu. Não! Riscou, largou a caneta.
Deitou e ficou olhando pro teto girando, ventilador girando. Cabeça girando. Quase caiu da cama ao levantar bruscamente. Segurou o caderno, pegou a caneta e escreveu:
Amanheceu mais um dia e a insônia ainda me corrói. Eu bebo pra fingir não lembrar que nós não vamos mais ser. Agora entendi: acabou.